Como se formou o Lago de Furnas e o que aconteceu em Guapé

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Mulher no fogão de lenha.
Mulher no fogão de lenha no local da cidade inundada. Foto: Livro Guapé para Sempre.

A formação do Lago de Furnas trouxe grande desenvolvimento para o país, mas por outro lado, o custo social e econômico para a cidade de Guapé causaram prejuízos irreparáveis.

Por volta dos anos 50, depois do decreto nº. 41019 de fevereiro de 1957, estabelecido pelo então Presidente da República Juscelino Kubitschek, Guapé teria 206 quilômetros quadrados de suas terras inundadas para a construção da barragem de Furnas.

Uma vez dada à ordem para a construção da hidroelétrica, Furnas instalou em Guapé quatro escritórios para desapropriação e para construção da nova cidade. Um desses escritórios funcionava no imóvel conhecido como Bangalô, ainda de pé, que se situava na antiga cidade e que ficou muito tempo com água até suas portas.

Guapé que por ironia deriva-se de aguapé, que significa “caminho na água”, iria viver a experiência mais traumática de sua história quando se fecharam as comportas da imensa represa em 09 de janeiro de 1963.

As águas subiram rapidamente e o drama dos habitantes foi registrado por reportagens, algumas premiadas, como as da revista “O Cruzeiro”.

Guapé se tornou aos olhos do Brasil o exemplo mais trágico do sofrimento advindo da mudança drástica de vida de milhares de pessoas em 32 municípios da região sul e sudoeste de Mina Gerais.

As águas chegando próximo à antiga igreja matriz.
As águas chegando próximo à antiga igreja matriz.
Foto: Prefeitura Municipal de Guapé

Quando as águas começaram a subir, a nova cidade ainda não estava pronta, apenas prédios públicos e algumas casas estavam construídos. O preço das indenizações pagas também não foi justo aos olhos dos seus habitantes.

A escritora Rachel de Queiroz relatou o drama em sua coluna de retratação dedicada ao povo de Guapé e publicada na revista “O Cruzeiro”, de 23 de fevereiro de 1963:

“Mas parece que a tragédia maior é a questão das desapropriações. Alegam que foi feito a preços baixos, tão baixos que não permitem aos forçados vendedores comprarem com aquele dinheiro casa ou sitio na cidade nova, onde os terrenos são objetos de medonha especulação. Afirmam que certo terreno, adquirido por dois milhões de cruzeiro, está sendo dividido em dois mil lotes, a preços que vão de 90 mil a 250 mil cruzeiros – numa media de 150 mil por lote – dando aos especuladores, nesse simples pedaço de terra um lucro de 298 milhões de cruzeiros”.

A chegada das águas

No dia 19 de janeiro de 1963, as águas atingiram as partes baixas de Guapé, na altura do prédio dos correios situado a cem metros da matriz.

Em março de 1965, o lago de 1440 quilômetros quadrados estava completo. A área, formada pelos rios Grandes e Sapucaí, era cinco vezes maior que a Baía de Guanabara. As águas chegaram aos alicerces do Bangalô, que foi a última residência da Rua Três de Fevereiro, na antiga Guapé, a ser atingida pela inundação.

Outros povoados do município (Penas, Jacutinga e Araúna) também foram atingidos e desapareceram inteira ou parcialmente do mapa, sendo reconstruídos posteriormente.

Com o tempo, o gigantesco lago que atingiu o município, passou a controlar o funcionamento não apenas da hidrelétrica de Furnas, mas de outras oito hidrelétricas instaladas abaixo do rio Grande: Marechal Mascarenhas de Morais, Luiz Carlos Barreto, Porto Colômbia, Marimbondo, todas de Furnas, além de Igarapava, Jaguará e Volta Grande, das Centrais Elétricas de Minas Gerais (CEMIG) e Águas Vermelhas da CESP – Tietê.

Entretanto, o custo social e econômico para Guapé foi enorme, a população da cidade reduziu-se drasticamente.

As terras férteis dos vales dos rios Grande e Sapucaí foram perdidas sob o lago. Levados os cerrados, agricultores faliram por não conhecer tecnologias de adubação. Mas sem dúvida, o custo maior para o município foi a implosão repentina de sua sociedade.

Terras inundadas em Guapé.
Terras inundadas em Guapé.
Foto: Prefeitura Municipal de Guapé

Com o êxodo forçado de seus habitantes para Belo Horizonte e outras cidades, inclusive de outros estados, a cidade perdeu muito de suas lideranças e profissionais graduados. Por anos não ocorreram casamentos na cidade. Os casos de suicídio, doenças cardíacas e loucura, de acordo com registros da época, aumentaram muito em toda a região dos alagamentos.

“Guapé era uma sociedade bem estruturada”, lembra a professora aposentada Esmeralda Ávila Peres, que morava na Praça da Matriz. “Tínhamos clube, escola normal, colégio, ginásio, cinema, duas bandas de música e muita tradição. Com a inundação, muita gente foi embora, acabaram-se as festas, e nunca mais tivemos cinema.”

Fonte: Universidade Federal de Minas Gerais – Instituto de Geociências

4 COMMENTS

  1. Boa tarde! Procurei a revista cruzeira com a data citada para ler a reportagem na íntegra, porém a revista dessa data não contém nenhum conteúdo relacionado a represa. Saberia como eu posso conseguir esse material? Ou se houve erro na informação da data? Grata!

    • Boa tarde Cibele, tudo bem?
      Obrigado por ler o artigo! Se você gostou compartilhe com seus amigos, pois isso nos incentiva a publicar outros.
      Temos uma cópia digitalizada da página 130 da revista O Cruzeiro de 23 de fevereiro de 1963 onde a escritora Rachel de Queiroz escreveu o artigo com o título “Nova história de Guapé”.
      Se for de seu interesse podemos enviar para o seu email, basta enviar uma mensagem pelo formulário de contato, ok?
      Obrigado mais uma vez.

  2. É uma ótima pesquisa de caráter científico que comprova fatos históricos ocorridos no município de Guapé. E oferece condições para que outras pessoas possam construir novos conhecimentos

  3. E uma história que vivi junto com minha família. Eu tinha 8 anos qdo formou o lago. Minha família quase toda mudou para outras cidades para ” juntar os cacos “e refazer a vida.
    Meu pai perdeu quase tudo, nossa casa no sítio era nova e ficou com as paredes em pé,só retirou os móveis e as madeiras.
    Nosso sítio foi inundado e meu pai recebeu a indenização q lhe cabia e valor bem menor do que valia na época.
    Tínhamos vida tranquila, vivíamos em sítios próximos Avós, Tios, e a família estava sempre junto.
    Com a formação lago todos tiveram q se virar e as famílias foram separadas. Vida difícil não tinha a facilidade de hj , carros, TVs, e nem mesmo comunicação era facil.
    Mudamos e fomos para SSParaiso e nunca mais a vida foi a mesma, nossa família foi cada um para um lado, enfim momentos Que nunca mais voltaram em nossas vidas.
    Olhar o lago hoje e lindo , mas só quem viveu o momento que vivi sabe o q estou falando, os traumas psicologicos, as dificuldades, a insegurança, incertezas, ter q reconstruir a vida em outro lugar é longe de seus familiares não foi fácil pra ninguém.
    Refizemos nossa vida, meu pai criou os filhos, todos estão bem, mas a saudade de tudo que vivemos e a forma q vivíamos nunca mais.
    Só resta a dor e a saudade de um tempo q nunca mais será possível retomar de onde parou.

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