Os Ciganos chegaram

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Cigana vendendo pedras coloridas
Cigana. Foto: Pixbay

Houve um tempo em que ciganos faziam parte da paisagem urbana ou até mesmo rural de muitos de nós. Sempre tive um certo fascínio pela gente cigana e os motivos são vários. Talvez o mais insistente fosse um misto de medo e curiosidade.

Em algum lugar, no caminho da Jacutinga onde eu estudava, na vargem do Mizael, ciganos costumavam armar suas barracas. Então minha mãe sempre dizia: cuidado com os ciganos, eles roubam crianças. Mesmo assim, a tentação era grande em querer me aproximar para ver mais de perto aquelas senhoras de saias rodadas e compridas e seus dentes de ouro.

Ciganas dançando.
Vestimentas da cultura cigana incluem saias rodadas e compridas.
Foto: Pixbay.com

Quando dava para chegar mais perto era fascinante aqueles olhos grandes e quase sempre verdes. Meu pai dizia que cigano costumava roubar cavalos e quando negociavam sempre queriam “passar manta” trocando um cavalo velho (bom só pra salame) por algum melhor que o deles.

Já em Guapé, eles armavam suas barracas na Rua Nova, quando não tinha circo. Chegavam de manhã e já a tarde as mulheres saiam batendo nas portas das casas vendendo tachos de cobre e se oferecendo para ler as mãos. Assim tinham uma péssima fama por onde andavam. Era uma espécie de praga daqueles tempos.

Em Capitólio, uma época, acontecera uma verdadeira tragédia. Com muita frequência ciganos costumavam parar por lá e como sempre a população ficava amedrontada, insegura e revoltada pois sempre havia história de roubos, além do incômodo daquelas barracas esparramadas no gramado na entrada da cidade.

Certa feita um grupo grande de ciganos, com várias famílias, chegou em Capitólio. Desta vez ao invés de armarem suas barracas, aproveitaram que era um domingo, e foram direto para um curral fechado e coberto, de uma antiga fazenda ao lado da Fazenda da Cachaça Rodriguinha. Com a maior rapidez as pessoas esparramaram suas malas e capangas sobre o esterco macio do curral.

A notícia em pouco tempo tomou conta do arraial dos Cabeças, nome de Capitólio na época. Revoltados, alguns homens foram atrás do delegado, que na época era o Zé Norato.

Mas o que fazer?

O medo tomou conta de todos naquele fim de tarde de domingo quando o padre que celebrara a missa já tinha ido de volta pra Piumhi. Depois de muito conversar, o Zé Norato chamou à parte, 6 homens de sua confiança e pediu a eles que ficassem de prontidão e o restante foi dispensado com a promessa de que o delegado ia cuidar do caso.

Homens atirando
O delegado deu a ordem, e as espingardas começaram a cuspir fogo!
Imagem: Expresso.sapo.pt

Passava da meia noite quando o grupo do Zé Norato se encontrou no fundo da praça, atrás da igreja, praticamente no escuro. Todos portavam uma espingarda, só o Zé Norato tinha uma Winchester 44. Em silêncio e fila indiana seguiram em direção ao curral (barracão). Aos se aproximarem alguns cavalos, dormindo em pé, se assustaram mas não fizeram alarde. Mais à frente, à algumas dezenas de metros, eram visíveis alguns lampiões no interior do curral, que estava no maior silêncio. De pé na cerca de tábua do curral, cada camarada apontava a espingarda para o centro onde a ciganada dormia toda amontoada, naquela noite fria. Foi então que o Zé Norato, delegado deu a ordem, e as espingardas começaram a cuspir fogo!

Gritos, choros e correria para todos os lados, no escuro. Espingarda cartucheira só tem dois cartuchos e o Zé Norato não fez uso da sua Winchester. Tendo acabado a munição, cada “capanga” sumiu no escuro, direto para as suas casas, sem ter a menor ideia de como tinha se transformado aquele campo de guerra.

Esta história está no “livro” que meu pai nos deixou.

Em tempo: o Zé Norato foi casado com a tia Cassiana, irmã parte de pai de meu pai!
Em tempo 2: Certa vez um vizinho da minha tia Cassiana, que morava com o Zé Norato no Capitólio, mandou chamar meu avô em Guapé avisando que se ele não levasse a Cassiana pra casa dele ela seria morta pelo marido, pois ele (vizinho) tinha arrancado as mãos do Zé Norato da garganta dela mais de uma vez!

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