O domingo da caça com meu pai

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O domingo da caça com meu pai
O domingo da caça com meu pai Foto: Pixbay

Naquela manhã de domingo meu pai falou:

Hoje não vou à missa em Guapé, vou levar você pra gente caçar Jacú.

Jacú, pra quem não sabe, é um pássaro quase uma galinha, que vive no topo das árvores e se alimenta de frutas.

A preparação foi rápida: um embornal e a cartucheira, que na véspera já havia sido carregada pela boca com chumbo e pólvora, estava pendurada no prego da porta da sala.

Montamos cada um em um cavalo. Eu no “Campainha”,  todo branco,  e meu pai no cavalo preto que tinha um lobinho (ou lobão no meio da barriga). Sempre tive a curiosidade de apertar a barrigueira em cima daquilo, mas do alto dos meus oito anos nunca me era dada a oportunidade.

A direção era a mata do Capão do “Barspo” (seria bálsamo?) lá onde existia uma queda d’agua de algo como uns 50 metros de desnível!

Na entrada da mata apeamos e seguimos a pé pela mata a fora. Ouvidos atentos, olhares esguios e eu, na minha aventura maior, nunca tinha saído pra caçar, procurava não fazer feio, mesmo porque meu pai era muito exigente.

Jamais ele teria trazido alguém até aquele lugar mágico, se não fosse pra não ser útil. Então meu esforço era quadruplicado – queria mostrar serviço. Existe uma idade em que você jamais aceitaria em decepcionar, onde você quer se mostrar destemido, forte e útil – isto me parecia fundamental naquele momento na minha relação com meu pai.

A espingarda que eu levava com orgulho no ombro, no meio daquela galharada, parecia de chumbo e muito maior que eu, mesmo assim eu seguia a passos firmes à frente de meu pai, como se estivesse caminhando no passeio de qualquer cidade. Questão de honra!

Quando saímos da trilha, a mata foi se fechando. Ao subir, fugindo da estradinha em direção a um morro de pedra era possível ouvir alguns trinados, que meu pai identificou como sendo dos jacús.

A respiração ficou curta. Meu pai pediu pra passar na frente.
De repente ele para.
-Chutt…para, para…e olhou pra cima!
Lá estavam eles, pelo menos 3 galinhonas, pretas, com as asas meio abertas, parece até que secando as penas.

Meu pai, ainda deu 2 passos à frente, ajoelhou no chão e pediu pra eu ficar em silêncio ao lado dele. Minha cabeça ficava à altura da cabeça dele. Eu de pé, ele ajoelhado. A espingarda no ombro direito apontada para o alto, em direção ao ponto exato, para onde meus olhos fitavam. Respiração suspensa, na expectativa de que algo fantástico fosse acontecer.

De repente um estrondo enorme que quase me ensurdeceu, alí a centímetros da minha orelha esquerda o que parecia ser uma bomba. Um chumaço de fumaça saia num movimento único, fugindo às pressas para o meio da mata. E só isto! Além do cheiro, esquisito da pólvora, que parecia seguir a fumaça.

Em segundos, os jacús que permaneceram ainda nos galhos decidiram sair voando! E meu pai com os olhos quase saindo das orbitas dizia assustado: como pode, errei? Não acertei nenhum?

Foi quando, ainda ajoelhado ele pode apoiar a espingarda no chão para se levantar que ele percebeu do lado direito dela um rombo, um rombo de 4 dedos, bem na base do cano!
Toda a munição tinha saído por ali, passando a poucos centímetros por cima da minha cabeça.

Ao perceber aquilo, em nenhum momento ele olhou mais para o céu – seu olhar fitava a mim, o mato do meu lado. Parece que tentando entender o que tinha acontecido e, como eu ainda estava ali, sem nada sofrer.

Nossa volta pra casa foi em silêncio.

No curral, ao apear do cavalo, ele falou: nunca mais eu vou deixar de ir à missa no domingo pra ir caçar! De fato nunca mais fomos caçar!

Jacu, ave craciforme de porte médio
Jacu, ave craciforme de porte médio.
Foto: Pixbay

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